Coordenadores: Helena Vilaça [ Fac. Letras, Universidade do Porto / Instituto de Sociologia-UP ] Joaquim Costa [ Universidade do Minho / Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS)] Donizete Rodrigues [ Univ. da Beira Interior / Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA)]
O problema da pós-verdade deixa-nos numa aporia. Ele assenta no que, à partida, é uma dinâmica virtuosa: a informação é abundante, livre, de comunicação instantânea, servida por instrumentos que promovem quer a associação de pessoas que partilham opiniões, quer o debate de opiniões diferentes ou opostas, de modo a aproximar toda a gente no espaço público, no sentido preconizado por Habermas.
Depressa descobrimos que o rumo das coisas nos levou para outro cenário. As associações electivas deram lugar a tribos (Magnani); o debate deu lugar ao confronto; o diálogo cedeu ao conforto dos que nos apoiam; a argumentação crítica e demorada ruiu ante a reacção compulsiva dos novos media, sempre excitados pelo excesso de informação e de emoção.
A religião não ficou fora deste mundo, nem poderia ficar. Pensemos em assuntos “não religiosos”: migrações, segurança, terrorismo, campanhas eleitorais, legislação sobre questões éticas relacionadas com a vida privada – é impossível, neles, deixar de lado a religião. As redes sociais não a deixam de lado. Os think tanks também não. Aliás, os grupos religiosos mais dinâmicos adaptaram- se de forma assinalável às novas tecnologias e às redes sociais, estabelecendo comunidades virtuais e oferecendo serviços religiosos online. O próprio conceito de comunidade transfigura-se e a religião individualizada adquire novos espaços de expressão, desprivatizando-se, como bem realçou José Casanova.
A temática da pós-verdade é particularmente sensível ao domínio das religiões pois, à exceção das igrejas e grupos religiosos que enveredaram por uma teologia ou uma cosmovisão liberal e interiorizaram o relativismo pós moderno, a maioria é defensora de um absoluto de verdade. Por vezes essa faceta do religioso é entendida como sinónima de incapacidade de uma exercício de racionalização e de convivência com diferentes visões do mundo, sejam elas religiosas ou laicas. Como incluir na esfera pública estes grupos e como estabelecer com eles plataformas de comunicação? Cabe à sociologia ir além das avaliações precipitadas e sustentadas em visões parciais das realidades religiosas.
De facto, o grande desafio dos sociólogos está aqui. Até que ponto os “algoritmos” de que fala a Chamada Geral deste Congresso não nos foram remetendo para círculos restritos de especialistas, feitos de publicações pouco acessíveis ao grande público, para não falar de círculos nem sequer públicos? E como divulgar o que investigamos sem contribuir para o ruído informe de excesso de informação que nos rodeia?
Portugal, mesmo não estando na linha da frente dos encontros e desencontros religiosos, não está numa bolha isolada. Temos migrações, temos religiões com forte marca étnica e/ou nacional. E temos, também, a efervescência das redes sociais nas suas tramas de pós-verdades.
Aproveitemos o nosso Congresso para discutirmos o assunto, com a polémica sensata que deve caracterizar-nos; polémica verdadeira e não pós-verdadeira.
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